O Jogo de Futebol

Não, a Isabela ainda não joga futebol e também não sei se um dia irá jogar. Isto só com o tempo para saber.

Mas os meus alunos jogam. E enquanto eles jogam, eu observo. Sim, apenas observo, pois não há regra de adulto que se encaixe nas regras que eles criam na hora de jogar. Não adianta querer intervir. Pois eles tem clareza das regras que criaram e, mesmo que aos nossos olhos pareçam absurdas, eles acatam sem problemas.

Tenho um combinado com a minha turma que toda sexta-feira na primeira aula é a hora do brinquedo. Neste dia eles chegam na escola carregados de bolsas e sacolas e com brinquedos que alguns nem conseguem carregar direito. Tem bonecas e seus acessórios, tem bonecos de meninos, tem carrinhos, tem beyblade, tem cards e tem a bola de futebol, que democraticamente consegue brincar com várias crianças ao mesmo tempo.

Ao redor da bola, juntam-se os meninos para escolherem os times. O dono da bola normalmente intervem nas escolhas, mas isto não é um problema para os outros, pois até agora não vi ninguém reclamar sobre isto. Se estiverem em número par, tem vaga para todos, em caso de alguém sobrar, este fica de próximo. O próximo só entra no jogo quando um dos times alcançar uma determinada quantidade de gols, aí alguém sai e o próximo entra. Normalmente a vaga de próximo é compartilhada entre dois meninos que entram e saem do jogo cada vez que é a hora de trocar.

Como não existe quadra oficial onde eles estão jogando, de um lado é gol quando a bola bate na parede e do outro quando ela bate no alambrado que cerca o parquinho. Não importa em qual lugar da parede ou alambrado, bateu é gol. Normalmente não existe fora, já que não tem nenhuma linha para indicar o que é dentro ou fora, mas quando a bola avança para lugares que saem muito do que é possível controlar, ela é do time que pegar primeiro. Falando assim pode dar a impressão de loucura total na hora do jogo, mas não é. Tudo flui na maior tranquilidade. Muito mais tranquilo do que nos momentos em que eu tento colocar ordem na vida deles em sala de aula.

O jogo deles é completo. Tem falta, pênalti, jogador encenando queda e discussões sobre a validade ou não de uma determinada jogada. Tem até gol anulado, mas eu realmente não sei o que pode anular um gol neste cenário tão diferente de um jogo convencional.

E neste universo de um jogo de futebol que é só deles, os 45 minutos de aula voam sem a gente se dar conta que a hora do relógio está passando.

Olhá-los jogando me faz pensar em qual momento da vida, nós deixamos de lado a simplicidade da infância. Não acho que devemos viver como crianças, mas penso que em certos momentos, se nos permitíssemos enxergar o mundo pelo ponto de vista de um destes meninos que organizam este incrível jogo de futebol, talvez encontraríamos soluções para problemas que muitas vezes nos parecem irremediáveis.

Acho que estou começando a acreditar que os adultos brilhantes que têm as melhores ideias, são pessoas que de alguma maneira deixaram aberto o canal da infância dentro de si.

Cândido Portinari

Cândido Portinari

 

 

 

 

1 comments

  1. Regina Garoli says:

    Eu fico com meninos e meninas do fundamental II no período da tarde, e o que eles tem em comum é uma paixão pela bola. Idades e gêneros diferentes mas se entendem na quadra, as vezes temos problemas de ego, que são logo esquecidos. E simplesmente são felizes correndo atrás da pelota!

Deixe um comentário